--Cara, esse seu cabelo tá ridícilo- digo eu, aos quinze, a mim mesmo, aos trinta.
--Pode me explicar o que está acontecendo? - pergunto, aos 30.
Eu, com 15, entro no meu apartamento e sento-me no sofá. Não pareço muito contente:
--Ouvi falar que você tá fazendo ioga.
--É, que é que tem?
--Como assim o que é que tem? Voce ouvia Ramones! Voce ria de quem, tipo, acreditava em energia, pagava pau pro Oriente, tá ligado?
--O tempo passou, Antonio. Voce cresceu. Aliás, essas suas gírias tão ultrapassadas. Ninguém mais fala "tipo assim" e "tá ligado".
--Não tô nem azul.
--"Não tô nem azul" também expirrou.
--Não vim pra falar de mim, mas do você, com esse cabelo compridinho ridículo e fazendo ioga. Onde foi que eu errei?
--Voce errou em um monte de lugar. Aliás, nossa adolescencia foi uma lama heim? Mas graças a mim, que amadureci, hoje somos felizas.
--Felizes e ridícilos. Vai dizer que cê também parou de comer carne?
--Não exagera. Só tô tentando ser menos ansioso.
--Falando nisso, não vai oferecer uma cerveja pra gente?
--Não, hoje é terça e ainda tenho que escrever a coluna da Capricho.
--O que? Voce escreve pra Capricho?! Cara, voce virou gay?!
--Não. Mas se tivesse virado?
--Não acredito. Cê tá parecendo o Caetano Veloso falando.
--Adoro o Caetano.
--Ah não! Voce faz ioga, escreve na Capricho, acha que ser gay é normal e ou Caetano?!
--Ahã.
Eu, com 15, me levanto, bravo.
--Não adianta, não vai ter papo. Olha só pra voce: virou um adulto, ridiculo, igual a todos os outros.
--Os adultos são ridiculos, os adolescentes são ridiculos: os seres humanos são ridiculos. O único momento em que não somos ridiculos é quando conseguimos rir de nós mesmos. Coisa que voce não sabe. Aliás, talvez essa seja a única grande diferença entre nós: voce leva a sério, eu não.
--Quanta pretensão - diz, uma voz, atrás de mim (ou de mins?). Parado, em frente à porta, com um sorriso ironico no rosto e fazendo um não com a cabeça, eu com 60 anos observo.
--Voces dois ainda têm muito a aprender.
Revista Capricho.
Estive pensando, por Antônio Prata
Estive pensando, por Antônio Prata
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